A razão é virtude em extinção, neste espaço se tenta preservar essa conquista desprezada, lembrar que a vida não está resumida à frágil visão humana.

PENSE

Seja ambicioso nos seus desejos, busque sempre o que é infinito, eterno, completo e intransferível.

O maior bem que se pode conquistar é a perfeição, seja sábio e não se contente com menos.

A matéria é apenas a mina onde garimpamos nosso conhecimento, cada pedra do nosso caminho é o tesouro que buscamos ainda bruto e aguardando lapidação.
Tenha sempre em mente essa idéia e nada haverá de lhe faltar.
Venha ser alguém que acrescenta algo à existência sem exigir mais do que ela lhe dá.

SALVE O MUNDO, COMECE POR ALGUÉM!


terça-feira, 15 de dezembro de 2009

LIVRO II - À LUZ DA RAZÃO - 3ª PARTE CAP. VIII E IX

CAPÍTULO VIII

QUEM SOMOS?

Reflexões e justificativas em dois planos

O organismo expressa, à sua maneira, com a fidelidade que lhe é possível, todos os impulsos que o espírito manifesta, entretanto, está mais do que evidente que nos deparamos, de alguma forma nos entes vivos, com “dois” seres intrínsecos que “acontecem” como um e, como é óbvio, nos restringiremos ao “ser humano”, por isso é proposital a seqüência deste capítulo ao que acima o precede, pois a pergunta que, irritantemente, não nos abandona é; “... se eu sou tudo que fiz, afinal, quem sou?...”.

O fato é que, mais que provavelmente, este intervalo virá à presença do Caro Leitor com mais questões do que com, ao menos uma, resposta e, apenas talvez, por meio delas iremos assestar em direção do “razoável”, mas nunca, do conclusivo entendimento desse teorema universal.

O liberalismo científico é contundente quando afirma que o Universo e os seus “seres”1 independem da coexistência, quer dizer, o primeiro existiria com ou sem a presença dos segundos, é inegável que se houvesse, singularmente, o lugar para um ou infinitos eventos, lá estaria o Universo. Ocorre, contudo, que este surgiu e, exatamente através dos seres, “criou” o “lugar”, ou seja, não haveria lugar sem a “presença”, e isso significa que cada “ser” ocupa o espaço-tempo1 que produz para existir, isso já se comentou no capítulo VII, mas, vamos “arredondar” o pensamento. Já sabemos que a simples existência é o que produz o “lugar” que ocupa, pensar em sentido inverso nos conduz somente à inexistência, pois, não assimilamos racionalmente o sentido absoluto de vazio, todavia, algo que passa para a existência deixa um terrível rastro de “nada”; de onde vem? Como surgiu? O que o constituiu para “ser”?

De fato, “o próprio evento universal” é irracional quando a medida é o nosso conhecimento, fácil é constatar: – A física clássica, por ausência de dados, admitiu o Universo como sendo infinito e, por questões lógicas, todos os problemas imediatos se resolveram, é claro.., se não existe fim a existência preenche com plenitude qualquer curiosidade, quer dizer, por mais estranho que pareça, sempre haverá um ente universal em toda extensão atingível e mesmo inatingível, até pela nossa imaginação.

Ocorre, entretanto, que alguns “gênios” da matemática e da física observaram que existe outra “física”, e que nessa ciência, nem a matemática apresenta, com evidência, a realidade, porém, quando mostra, é incontestável. Eles a denominaram “física quântica” sendo que nem mesmo se começou compreende-la em sua plenitude e esta já prova que é eficaz.

Quando esse conhecimento passou a fazer parte de nossas vidas, até mesmo quem não sabe ciência alguma, sofreu influência dessa atuação, e assim, a Humanidade sabe ou, ao menos quem quer, tem a disposição a informação que de um “ponto virtual” explodiu o Universo e que, afinal, esse é finito, grande.., muito grande, mas.., finito.

Não obstante, como se disse, “o próprio evento universal é irracional quando a medida é o nosso conhecimento”, é lógico que.., ou talvez não..? o fato, porém, é que sendo finito o Universo, em algum ponto ele acaba, quinze ou vinte bilhões de anos luz, pouco importa, “lá”, ele finda. Ora..! se a existência universal “cria” o espaço que ocupa e, como se comprovou, este é finito, onde ele está contido..? Veja a incongruência; algo que “cria” espaço está contido em “algo” que não existe? E, se não “existe”, não tem lugar para ser “ocupado”, entretanto, o Universo é “um objeto”, hoje sabemos, que pode ser mapeado com limites externos, portanto, estamos diante de um “ser” contido..; aonde??

Ora..! se não sabemos quem ou o que somos e este trecho do presente trabalho questiona quem somos, como podemos pretender saber quem ou o que é ou ainda, onde está, o Universo? É..! parece muita pretensão. Não o é, contudo. Já tivemos a oportunidade de dizer que “somos o Universo”1, pois, é de nós que falamos. Aos que não tiveram a possibilidade de ler o nosso ensaio anterior faremos, na forma de questionamento, “à la Sócrates”, a síntese do arrazoado pretendido, assim, inquirimos: – Incluindo o nosso, não são todos os organismos biológicos constituídos da matéria trivial do Universo? Não são, da mesma forma, todos os outros entes existentes? O que não é matéria “óbvia” como a conhecemos, não o é, por sua vez espaço? E o que não é nem matéria, nem espaço, não seria por ventura, energia? E não sendo nenhuma dessas entidades que dispõem de definição e conceito racional inerentes à sua própria natureza, não teriam como componente intrínseco ou extrínseco a inteligência? Intrínseco aos seres que a manifestam e extrínseco aos seres que sofrem sua influência quando atingidos pelos primeiros.

Mas, os primeiros não atingiriam tudo se pudessem? Isso não inferiria em que a frase “... se pudessem...” seja uma realidade que nós, umas poucas Inteligências, desconhecemos que “outras” o fazem? Esse fato não condiciona um movimento eterno em que a “Inteligência” seria o “Maestro” universal? E, se assim é, para contrariar tal silogismo não haveríamos de negar que o Universo em si e uma manifestação inteligente? Será que temos esse direito? E, por conclusão absurda, poderíamos dizer; – ... se eu não entendo, não existe? Será que, ao contrário do afirmado acima, não é, justamente isso, muita pretensão?

Nós que estamos “cegos” é que afirmamos que o “Sol não existe”, o Universo é uma orquestração sumamente inteligente, este resulta sempre em existência e, nesse ponto, devemos nos deter, pois “existência” não implica, obrigatoriamente, em local, tempo, ou entendimento da parte do observador, nesse caso, nós! Facilmente, podemos extrapolar por condução ao absurdo e, por fim, demonstrar que “absurdo” é não admitirmos os fatos, veja:

Se ao dormir sonharmos e, disso lembrarmos, temos o subconsciente agindo em sua realidade, o nosso “mundo” lhe será irreal, quando conscientes dizemos “... parecia tão real...”, esse é o ponto central, o Universo do incônscio lhe é real, o do cônscio, a nós, como despertos, toca. De alguma forma temos duas vidas e, via de regra, uma desacredita da outra apenas porque ainda somos “pequenos” e vou provar isso esperando o “super-herói” que conteste a demonstração que segue abaixo:
Novamente indo à Sócrates, perquiro.., sim, pois esse não perguntava, perquiria, logo, vamos aos fatos; – do que é feita a civilização, a tecnologia, os avanços científicos, entre infinitos outros predicados da Humanidade, senão dos “sonhos” da imaginação, da criatividade, além de outros atributos “virtuais” do nosso Ser? Alguém já está “gritando”; “... – do trabalho brutal e absolutamente consciente” do nosso “corpo”..! Ao que direi; ... – que obedece a uma vontade indômita de trazer à luz nossas criações imaginárias, esperançosas e até vaidosas ou mesmo mesquinhas..! Teimem quanto quiserem, isso não altera o fato inquebrantável de que somos apenas a resposta materializada do que “somos de verdade”, o “nosso” tão festejado “consciente” não é mais do que a imagem no espelho do “Ser” que somos.

Tudo acontece através e por meio da nossa vontade que primeiro “sonha” depois realiza, se aprofunda no “sonho” e aperfeiçoa o realizado, faz isso “infinitas” vezes e descobre que a perfeição do que realizou independe de sua própria existência material, esta não é mais que uma resposta ao “ideal” de evoluir.

Tão óbvio quanto saber que “cair, é para baixo” será notar isso, basta um exemplo; – ... uma “telinha” de Van Gogh1 se considerado o material nela contido soma por volta de poucos “cents” de Dólar americano, aliás, pela idade a ser constatada não valeria nada, pois é muito “velha”, no entanto, apesar de ter morrido na miséria e por meio do suicídio, esse homem deixou sua “alma” em cada quadro que pintara, suas obras são disputadas por museus do mundo inteiro por vários milhões de dólares cada, ladrões especializados de todas as partes os cobiçam e almejam oportunidades de “adquiri-las” da forma que lhes compete, assumem, inclusive, risco de vida por uma delas qualquer; o que essas pessoas e até governos disputam..? O material do quadro ou o sonho que ele porta?

A realidade não vale, absolutamente nada, é o “espírito” do pintor que buscam, somado ao “sonho” de fortuna por possuí-lo ou ao “sonho” de vendê-lo para comprar todos os “sonhos” que tiverem.

Entendamos, queiramos ou não, é o que “sonhamos” que nos move, nos incentiva, nos provoca e, até nos mata, devolvendo-nos à realidade da existência. Todos os “sonhos” são bons, por isso não queremos abandoná-los, é isso que nos mantém vivos, mas, aqui, na “nossa realidade”, não vemos o “mundo verdadeiro” e vivemos “o sonho” da materialidade do “espelho”.

Se o Caro Leitor ainda não admitiu que somos o Universo e que, em suma, somos todos um único “Ser” apenas representado universalmente, seria desperdício de tempo ir adiante nesta leitura, o que não cremos haver ocorrido, pois esta obra sequer lhe teria motivado a atenção se já não brotasse a semente do saber em seu Ser.

Destarte, havendo assimilado o entendimento do que veio exposto, talvez pudéssemos arriscar o palpite de que o Universo encontra seus limites no tecido “ideal” do “Ser” que somos. Absurdo..? É.., parece que a “teoria científica” de que Deus fez o mundo em sete dias e quebrou a costela de Adão a quem tirou do barro para fazer Eva que fugiu com a cobra comendo maça é, enfim, a verdade? Talvez fosse melhor começar outro livro..! Mas, antes, vamos perguntar à ciência “pagã” o que poderia ser o Universo e nós próprios, pois os cientistas “hereges” sempre têm uma visão mais ou menos pragmática do ponto de vista místico e matemático ou, ao menos, racional sob um enfoque técnico e quando especulam costumam se valer daquele “péssimo costume” de balizar e comprovar o melhor possível suas teorias temáticas.

No capítulo VII nos valemos de diversas pesquisas científicas para montar um arrazoado satisfatório da existência universal, lá se buscou o máximo de coerência para tentar demonstrar que a própria essência existencial é obscura, porém, permite, por meio de vestígios evidentes ou conclusivos, que se construa uma “estrada” senão totalmente segura, ao menos sustentável, até uma nova prospecção melhor adequada teórica e tecnologicamente.

Lá, nós observamos que os mais brilhantes intelectos da Humanidade manifestaram e ainda insistem em negar o “Princípio Inteligente”, ao menos designado pelo nome de “Deus”, todavia, sem alternativas racionais findam por condescender em favor da “abominável” figura divina que, sem mover sequer um de seus infinitos predicados, “existe” inerente à essência de quem busca desacredita-lo.

É fato que, não pretendendo crer metafisicamente em algo que lhe seja superior, a mediocridade humana não vê que nega sua própria existência, sim, pois só um “cego intelectual” nega-lhe a existência, cego pela vaidade, ganância, egoísmo, mas.., acima de tudo, pela ignorância pueril de quem não cresceu, porém, tira boas notas na escola onde aprende o “b – a – ba”, matemática, física, conhecimentos gerais são simples resultados de exercício contínuo, como qualquer atleta obtém exigindo do corpo capacidades que desenvolve com aplicação, disciplina e ritmo, além de um grande esforço de vontade e motivação o que, de per se, não deixa de ter valor, contudo, visão, alcance intelectual, discernimento, senso lógico e racional de admitir que sejamos apenas um dos infinitos “tijolinhos” do Universo e, mais do que singela humildade, esse entendimento é manifestação de amor pela criação, faz de nós, sábios e assim, somos “Deus”, exatamente “aquele” Deus que negamos e, com razão, pois; — que deus é tão mesquinho, a ponto de negar-se por entender que “se viesse” a existir seria maior do que somos em “sermos-Lo”, já que a miopia nos impede de saber que “O” somos?

Uma coisa é certa, condescender em favor da existência de Deus, mesmo que por falta de alternativas, já mostra que uma tênue e única evidência é mais do que suficiente para sustentar a verdade e isso vem demonstrar indícios de sabedoria e não simples conhecimentos, algo que qualquer computador dispõe, mas não sabe usa-los.

Por outro lado, um cientista que simplesmente aceita a existência de qualquer coisa, até porque a religião afirma, de verdade, não é um cientista.

Cabe a esses homens duvidar de tudo até provarem a veracidade ou não de qualquer evento, a crítica está dirigida ao “homem” que pratica a ciência e refuta tudo que não seja parte de sua especialidade, é plenamente admissível a dúvida e até a descrença, não porém, por orgulho, vaidade ou egocentrismo, questionar teses, suposições, argumentos é tarefa do conhecimento, da evolução enfim, o que não se pode é descrer infundadamente e sem justificativa plausível, sim.., para negar qualquer coisa, devemos dispor de evidências que contradigam inconteste o que se afirma.

É simples, veja; o conceito de reta é axiomático e as propriedades desta são postulados, pois, reta é, para todos os fins, uma evidência matemática e suas aplicações são convencionadas, por exemplo; – um seguimento de reta é a menor distância entre dois pontos. A aritmética sempre comprovou incólume esse teorema, certo? Errado, a física demonstrou que o espaço é curvo e dispõe de uma quarta dimensão indissolúvel que é o tempo, logo, não existe reta que estabeleça relação real com a evidência, assim, se compreendeu que a reta “é curva”, uma curva cujo raio é infinito, mas que em determinados casos pode ser avaliado, caso típico encontramos na relatividade geral quando se percebe que a ação gravitacional distorce o espaço-tempo deformando toda a existência num único lapso espaço-temporal colapsando, naquele ponto, o Universo.

Assim, para contradizer o significado do conceito de reta houve a necessidade de se conhecer os atributos universais e ampliar os horizontes do nosso entendimento que antes se circunscreviam aos poucos propósitos do nosso pequeno mundo. Basta que se evidencie, comprovadamente, a inexistência de Deus e sua existência não mais “existirá”.

Um pensamento, por exemplo, não existe? É claro que existe! ...Então, ocupa espaço, certo? Ao que tudo indica, parece que não!.. Bem.., aí a “coisa” pega! Quem voz escreve, desde que “escreve”, afirma sem parar, “... que não pensamos, somos o pensamento”; este inclusive, ironiza, pois não há argumentos de nenhuma espécie, nem mesmo científico, que contradiga tal conclusão, simples é notar, veja; — pare de pensar! Ora, isso é fácil, faça um esforço! Não conseguiu?.. que pena!.. vai ver que você é que é menos que qualquer outro de nós, pois qualquer um para de pensar! Basta pensar em não “pensar”. Mas.., para não pensar, devemos “pensar”?.. É, acho que não existe saída! Nós apenas nos identificamos por pensamentos! Materializados ou não, os pensamentos são tudo que somos. Ocupamos a matéria, justamente para desenvolvermos o pensamento, nos “desenvolvermos”! A matéria que nos desenvolve é produto do que pensamos, logo1, como vem, passo a passo comprovando, a ciência afirmará que a matéria é muito mais que simples energia condensada, ela é vontade explícita que viabiliza crescimento do Ser, “Sendo”.

Exatamente, a matéria nada é, mais do que manifestação pensamentar que, por sua vez, virá ser o que somos e, se somos o que pensamos, o que poderíamos concluir da matéria?..

Parece “loucura”! isso, porém, já foi dito por muitos outros pensadores que chegaram a deduções semelhantes em outras áreas e hoje, percebemos que eles viram além e, para nossa frustração, estavam absolutamente certos!

O Universo se expõe incessantemente, nós é que não o observamos, simplesmente, porque damos excesso de valor à uma “vidinha medíocre” que mal atinge parte de século. Amealhamos “tralhas” inúteis, lutamos por obtê-las, nos desgastamos para mantê-las, sofremos por perdê-las, mal ou sequer conseguimos usufrui-las e, por fim, abandonamo-las ao deixarmos a matéria, senão pior, nos agarramos a elas por períodos indefiníveis sem notar que não mais vivemos no mundo que elas estão. É claro que poderíamos dizer que melhor seria cultivar o conhecimento entre outras virtudes, mas isso é puro desgaste literário, pois, infinitos conselheiros já o fizeram e, para “surdo”, o que adianta “gritar”? Afinal, este trecho discute outro tema, o qual, é a tese da questão: “O Universo não ocupa espaço”!.. O que??

Vamos por partes, não é fato que não sabemos o que limita o Universo? Não é fato também que este cria o espaço no qual existe?

Por sua vez, não se concluiu que o que “não existe” contém o que existe, por exclusão ao absurdo? Por outro lado, não é certo que o fator tempo é conceito puramente humano? O que nos leva a convicção tão segura de que o espaço não seria, do mesmo modo, uma concepção, singelamente humana? – Ah..! mas, o espaço está diante dos nossos sentidos! E o tempo, não faz o mesmo? Em determinadas condições, quando sonhamos, tudo com o que nos relacionamos é, absolutamente, real para aquelas circunstâncias! O “difícil” será lembrarmos, com sutileza de detalhes, o que nos “tocava” em sonho, tanto quanto é “custoso” quando “lá” nos conscientizarmos de “cá”! Esta é a questão, Immanuel Kant foi quem, com infinita propriedade, melhor observou este aspecto da existência!

O que é a realidade?.. Ao que consta, nada mais do que a seqüência de fatos que interagimos. Não importa se nos “toca” aqui ou “lá”. O que conta será sempre o “agora”. Ele é a realidade, pois é a única coisa que altera nosso “modus operandi”, cada fato, cada movimento que interage com cada Ser é o “seu momento”, os objetos que o rodeiam podem, simplesmente, serem criados em qualquer “universo”.

O que se nota, de verdade, é que apenas a evolução conta e existe. O Caro Leitor, não apenas pode, mas, até deve duvidar, porém, busque se informar e notará que hoje se consegue até massa muscular por meio de efeitos hipnóticos da mesma forma que se obtém exercitando o corpo.

Nada mais natural, pois, se a matéria é uma projeção do ideal, basta que conheçamos o mecanismo e virá comprovado o “objeto” que nos produz desse lado do espelho. Logo, não apenas nós, mas todo o Universo material, não é mais do que uma imagem. E, como “imagem”, apenas a “ela” cabe o espaço, exatamente como se vê num espelho que, para nós é irreal, a figura que nele se reproduz goza de espaço em todas as dimensões e, imediatamente, notamos que para percorrer de um ponto a outro naquela “imagem”, gastamos “tempo”.

Mas, notem, quando vemos a imagem nós a abrangemos independentemente do tempo, porque, grosseiramente comparando, qualquer ponto da imagem que vemos nos coloca em relação à sua existência imaterial, pois é isso mesmo que ocorre com a nossa “real” existência, quando soubermos o que somos, de fato, bastará nos ligarmos ao ente e este se fará presente em qualquer “lugar” já que ele “sempre” esteve “lá” desde que “existiu”!

A concepção é mais sofisticada do que a “brutalidade” que demonstra quando se questiona os limites do Universo conhecido, pois, com certeza, este vem contido no desconhecido, esbarramos em ausência de parâmetros, como é óbvio, mas, se antes de concebermos a finitude universal o infinito satisfazia a ansiedade humana sem, contudo, nada oferecer em troca já que infinito é um singular conceito de “esvaziamento” por satisfação do inexplicável ao intelecto.

Quando, porém, chegou-se à conclusão e, posteriormente, a comprovação de que houve um começo, portanto, ao menos, uma espécie de fim, um ciclo talvez, as teorias desabaram, os conceitos afunilaram-se exatamente aos pontos do “antes” e do “depois” e, ainda hoje, buscam o infinito, isso porque o conhecimento ficou obstruído, justamente, pelo motivo de sentir o mesmo “esvaziamento” que, de forma alguma, nos satisfaz nos dias atuais; por que isso? Singularmente porque evoluímos e sabemos que; — se o conceito de infinito não era correto ontem, por que seria hoje? Logo, não cabe colocar além dos limites do Universo conhecido a “velha” concepção de “sem fim”!

Oh..! talvez quem voz escreve acaba de entrar em choque com o que afirma, pois desde o inicio de suas escritas afirma que somos eternos partindo de um princípio!?

Bem.., é, exatamente isso, que prega o autor dessa modesta pretensão de ser obra literária! Eternidade partindo de um princípio jamais foi e sequer será um dia “infinito”, esse é o ponto em questão, ou pior, a própria questão é o ponto, veja; o tempo é um conceito humano, isso é comprovado, porém, o que se comprova, de fato, é que a divisão do tempo é pura e simplesmente conceptualismo racional.

O intervalo é que permite ao ser humano relacionar-se com o tempo, pois estes são do “seu tamanho”, todos os limites de tempo conhecidos têm, precisamente, a medida do homem, inclusive a idéia de eternidade, mas, um segundo é eterno para a vida de determinadas partículas, por outro lado, se notou que no “horizonte de eventos” um segundo jamais acaba, estamos diante de um mero “nó”, o tempo existe e é mensurável são as mensuras que não se adaptam ao objeto, o que existe, deveras deixará de existir, pois, o “tecido” existencial foi rompido com essa existência e, se não é possível o vazio absoluto, não há como eliminar da existência o que “acontece”, é impossível um “buraco” na existência, ou existe ou “nunca” existiu, pois, se o objeto em questão sair da existência, de fato, sua lembrança é impossível.

Assim, é mais ou menos concebível admitir o tempo em outras proporções, particularmente, na elasticidade, predicado que melhor se aproxima do nosso entendimento. Por isso, quando vamos ensaiar os acontecimentos universais em sentido oposto para, racionalmente assimilarmos o princípio, chegamos ao ponto virtual, ou a singularidade “absoluta”. E, por esse motivo, questionamos o “antes”. Logo, se o espaço existisse não existiria esse “ponto”.

Agora, quem sabe? Talvez fosse especulativo arriscar que o Universo vem contido em um “singular” impulso do pensamento, observe; o pensamento não tem tamanho mas abrange infinitas dimensões, não conta o tempo, mas faz de um momento uma eternidade e desta última o primeiro, tudo que for imaginado cabe em um átimo pensamentar, não importa o que alcançar, é virtude sua crescer indefinidamente e, para isso, “cria” infinitamente, o que cria, contudo, será sempre outro pensamento, assim se multiplica e jamais “morre”, por isso é muito fácil conhecer Deus e a nós próprios, por isso nós “O” somos e sempre “O” seremos, desde o “momento” em que fomos “pensados”.

Essa é a vontade primordial aparentemente inexplicável, por isso a filosofia denomina esse entendimento de “metafísica”, pois, é estrangulante assimilar que o Universo é ideal, mas, o certo, é que somos nós que não atinamos com o fato.

A física atual é monótona em nos demonstrar isso, ela afirma que a matéria não é mais do que onda de freqüência definida, que o tempo e o espaço são elementos intrínsecos ao Universo por co-existência mútua, que o espaço-tempo curvam de acordo com a atuação dos campos de energia gravitacional tendendo a um único ponto onde a densidade é infinita e o volume é nulo demonstrando, inequivocamente, que a matéria é apenas resposta do meio no qual existe, ora.., se matéria é “resposta”, o que a impede de responder a uma vontade?
Apenas porque não conseguimos reunir efeito mecânico com eficácia emocional, ou seja, vontade e movimento não combinam? Então, por que se empurrarmos uma bola, ela rolará? Esse movimento não está ligado a uma vontade? Ora, o Universo é, literalmente, uma “bola grandiosa”, qualquer vontade pode criar ou alterar seu movimento, dar início à sua existência, mas.., supõe-se que não possa ou não pretende seu fim por questões existenciais, – ...lembra-se do que já foi dito? “...ou existe ou “nunca” existiu, pois, se o objeto em questão sair da existência, de fato, sua lembrança é impossível...”. Está nesse aspecto o sentido racional, o simples fato de nós sabermos existir garante a premissa maior, pois de outra forma.......???

Quando o Ser Humano admitir o que já sabe existir, a energia psíquica ou emocional, a que rege o Universo e as demais energias derivadas dela ou, melhor dizendo, tudo que dela resultou, perceberá que o problema é menor do que a “Hidra de Lerna” que o consome, já que terá a sua disposição um elemento primordial de manipulação que, quando dominado, como as outras energias, trará como bagagem o conhecimento da criação e a Humanidade notará que criar um átomo é criar um Universo1 apenas porque a História se repete, o “ente universal” é comum e se desdobra de todas as formas conhecidas e a conhecer, logo, se este for produzido da vontade (força psíquica) o Universo nele virá contido, somente então, nos convenceremos de quem somos e o ciclo se completa..; “...o ente será a expressão da vontade, que não é mais do que um impulso do pensamento, que se manifesta na matéria, que produz o espaço e o tempo e que...! outro ‘chato’ escreverá...”.

Sempre que se escreve sobre temas que envolvam aspectos existenciais finda-se por filosofar e, sob tais circunstâncias é inevitável que “alguém” diga que filosofia deve conter meios complexos de se comunicar, disso deriva a infeliz e dominante dedução equivocada de que filosofia é complicada, não o é, contudo, basta que se inicie por “um novelo” e, cuidadosamente, se puxe o fio, ele não irá embaraçar nem precisará ser intrincado para mostrar-se eficiente, cada “centímetro” traz o próximo e, assim, se produz “quilômetros” de conclusões que nos fazem ser cada vez maiores. Como findamos o capítulo anterior afirmando que “eu sou tudo que fiz”, poderemos, quando assumirmos, de fato, a racionalidade, dominar essa condição inevitável e veremos que:




















“... somos o que buscamos ser...”
CAPÍTULO IX

PSEUDOPSICOGRAFIA — UM CONTO

ENTRE DOIS MUNDOS

—Tio Ab, por que aquela árvore bonita e tão cheia de frutos está murchando?
—Ao que parece, ela deixa o nosso mundo criança. A natureza é assim mesmo.
—Podemos então, pegar alguns frutos, são tão vermelhos, parecem bons.
—É certo que não, deixe que ela leve-os, será melhor.
—Está bem!

Continuaram andando em direção ao riacho onde iriam observar os peixes.

A manhã era amena, o calor saudável e a vegetação verdejante e colorida da primavera, o fundo do córrego, ah..! esse estava totalmente à mostra, via-se as pedras redondas e cobertas do musgo, quase se podia pegar os peixes com as mãos. Seria um grande dia.

Não muito longe!

—Cláudio veja, a semente do caqui que caiu no copo está germinando, olhe a pontinha já esbranquiçada.
—Bom Aldo..! teremos sobremesa hoje no almoço; bom mesmo.
—Deixe de brincar, não vê que é verdade, ela já é um “brotinho”, em quanto tempo será uma árvore?
—Talvez quatro, talvez cinco anos, por aí...
—Então sim, teremos sobremesa.
—Certo, a partir de hoje não compro mais nada de frutas, vamos esperar.
—Ora..! você não vale o que come! Me deixa em paz.

A fazenda era um lugar gracioso dotado de tudo que a natureza pode oferecer de melhor. Havia, além do riacho, inúmeras nascentes e veios d’água, isso proporcionava bom pasto, pomar magnífico, cereais, leite em abundância, realmente, aquele lugar era digno de admiração, como diz o povo; “... qualquer santo pode descansar lá”.

Lá por volta dos idos 1800, quando ainda era comum e normal se saber das histórias dos escravos, estas já falavam da fazenda; —... um pedaço do céu! Diziam eles; —... a terra recebe um e devolve mil, não há igual, os velhos são proibidos de andar de bengala, pois cada furo no chão brota água em jorros...

—A sinhazinha Nina é de bem com Deus, dizia o velho Dito, —... onde Ele mora o lugar agradece, a tempestade é de semente e a praga é de comida, o mal só “faize” bem.

Nos dias de hoje a propriedade é um empreendimento, a família cresceu, os filhos e os netos, em geral, se “dão” muito bem, pouca intriga, muita produção, nada pode ir mal dessa forma.

—Tio Ab..? você “tocou” essa terra por quanto tempo?
—Uns quarenta ou quarenta e três anos, deu pra cansar, mas não reclamo, foi bom para todos como é até hoje, cada um dá um pouco de si e todos colhem, é assim que deve ser Julinho.

E continuaram sua caminhada de volta do passeio que, aliás, tinha sido ótimo, peixes de mais de dois quilos cada um, além dos miudinhos que rodeavam na água em busca de alimento. O Sol já rumava adiantado para o Oeste, não era sem tempo que se iam. Os pássaros alardeavam o entardecer buscando os ninhos, já se ouvia os primeiros piados das corujas menos preguiçosas, o céu era cor de laranja com um fundo azul mesclado por escassas nuvens semitransparentes que refletiam o vermelho forte da estrela mater, às costas, quase ao leste, se via o manto de azul profundo de uma noite já reclamando seu lugar.

—Hoje foi um bom dia, não Julinho?
—Sim, tio Ab, estou cansado.
—Estamos chegando, um bom descanso, uma conversa debaixo do céu e um ótimo sono..!

Esse tinha sido um dos raros dias de folga para Abder, homem que trabalhava duro, não acreditava em descanso e, incrivelmente, agia mais em favor dos outros do que de si, era da sua natureza essa preocupação, quase sempre esquecia dele próprio, mas era disso que gostava, cada sorriso que via era uma alegria que recebia, cada alívio de alguém era um desafogo que experimentava. Amigos, estranhos, parentes, pouco ou nada importava, contava apenas o que sentiam, esse era o Ab; quem não sabia..?

Por aquelas bandas ele reinava, as crianças, os velhos, os bichos, todos já conheciam seu cheiro de mato.

Nina (a sinhazinha) sempre foi lembrada pelos predicados e, os tinha, até pra distribuir, os capatazes e funcionários de maior responsabilidade e também maior cultura chamavam-na “a virtuosa”, de fato, ela era, quantas vezes os problemas ocorriam em lugares até imprevisíveis e lá estava ela, de onde saia ninguém sabia, o pessoal dizia que “a encrenca e ela tinham os pólos invertidos, atraíam-se mutuamente” e, “—... coitados dos problemas”, não ficava um, pra tudo ela dava jeito, engraçado.., esse era seu “jeito”; picada de cobra, prego no pé, cabo de ferramenta que quebrava, contas pra pagar, esquema de plantação, matriz prenha, tinha gente que jurava que nunca a vira dormir, não era pra menos, ela sempre foi maior que tudo naquela fazenda, o velho Dito dizia; —...quem “num” dá conta dela, são os “pobrema”.., aliás, o velho tinha era que gostar mesmo da sinhazinha, veio escravo por um “dinheiro alto”, homem já de meia idade, então, mal chegara na fazenda foi alforriado; “... —graça da dona sinhazinha, ela sim sabe quem compra”, dizia ele agraciando Nina sem esquecer de valorizar-se.

É, se existe pedaço de chão que Deus pisou, aquele era um deles. A gente dali, as águas, a terra, o mato, os bichos, tudo era perfeito, bem..! nem tudo.., mas isso, já, já eu conto, é tão “bão” falar do que é “bão”, não vamos estragar agora!

Lá, como em qualquer lugar do mundo, também se morre, os velhos se iam, as crianças nasciam, muitas histórias existiam, o conjunto delas era a própria História do lugar.

Hoje a fazenda explora os cereais, planta, colhe, processa, comercializa, enfim, a propriedade é um dos raros e bem sucedidos sistemas de verticalização produtiva. Mantém atuação constante na bolsa de mercadorias e também exporta sua produção. Conta com mais de trezentos funcionários, só na lavoura, mais de mil, no complexo todo. Produz em sistema de cooperativa e distribui lucros entre os integrantes, sem exceção, do agrônomo ao varredor, a cada um, cabe o seu “quinhão”. Bom seria todo empreendimento funcionar assim!

O Cláudio e o Aldo, o veterinário e o administrador respectivamente, eram a imagem do lugar, organizados, zelosos e muito, mas muito mesmo, amigos, todavia, um não dava paz para o outro, jamais o Cláudio almoçou sem encontrar um ovo lavado com casca e tudo no seu prato, por outro lado, Aldo nunca puxou suas cobertas ao dormir sem encontrar uma enorme lista de compras para o dia seguinte entre elas, bem, nem sempre, pois, as vezes, um dormia fora e o outro almoçava fora. Mas, assim era a fazenda, um lugar alegre que levava muito a sério seus compromissos, na verdade, o trabalho era quase, senão mais, que uma brincadeira bem organizada e produtiva.

Mas, como eu prometi, temos que falar das coisas ruins, senão vão pensar que “é conto de fadas” e, para falar de ruindade o nome do “anti-mocinho” (fica feio dizer “bandido”) é Nero (sugestivo, não?), esse era digno do nome, se o velho Dito fosse vivo diria; “... —cómi féu, cospi fogo e apaga co dedão, né fio...”.

Como todo tirano que se preza, ele deve ser casado com uma “donzela angelical” que sofre até morrer nas suas mãos ou com uma “víbora vindo direto do Inferno” pra fazer dele “gato e sapato”, no primeiro caso ele terá uma filha (de um caso amoroso fora do casamento) que seria sua cúmplice até “dar fim” naquela “santa do pau oco” que é sua madrasta (e madrasta não pode ser “boazinha”); já no segundo, os dois “demônios” teriam um filho (legítimo) que seria o “anjo vingador”.

É, se vocês pensam que foi fácil, enganaram-se, pois ele foi casado com a “donzela” que por pouco não morreu, sumiu, porém, jamais souberam dela, mas.., depois eu conto. A filha quando soube da madrasta, caiu no mundo satisfeita, hoje é dona de uma próspera casa noturna. Ele (o Nero), por sua vez, amasiou-se com a Lucrécia (que parceria em..!). Por questões de concordância gramatical, ou seria semântica..? talvez coerência de redação? Bem.., de qualquer forma, o filho que tiveram decidiram chamá-lo Gabriel (simples coincidência), mas não se preocupe, não pedirei para que Homero (o grego) venha psicografar outra Ilíada. Vamos em frente:

—Malditos eles todos, maldito você que não me dá ouvidos Nero, aquelas terras que são suas, e você sabe muito bem disso, daqui a pouco vai jorrar ouro do chão e aqueles incapazes sequer abaixarão para pegá-lo, também “pra que”? só pra carregar peso..! Mais dinheiro lá, só vai atrapalhar, já pensou na hora de contar? E o imposto de renda, então? Não..! se brotar ouro lá, eles abandonam a fazenda. É só o que lhes resta, tanto dinheiro é “azar”, acaba dando inveja, eu, em..!
—Luc querida, você sabe que para provar meus direitos lá não será fácil, afinal eu sou apenas o afilhado do Paulo que detém menos de um por cento dos direitos cedidos pela família e ainda ele tem seus filhos legítimos, o que haveria de sobrar?
—Ora, não seja ridículo, a gente tem o que luta por ter, brigue pelo que é seu, mostre pra que serve suas calças. Até pra não brigar eles acabam por concordar, porque sabem que se você reclamar os seus direitos na justiça vai ganhar.
—Não é bem assim Luc, eu saí de lá e recebi do Paulo o que me cabia em dinheiro e ainda, com um contrato de fornecimento para as minhas lojas que pago comodamente muito depois de ter vendido a mercadoria.
—É, mas se você fosse o produtor seria bem mais barato o que você compra!
—Talvez..? Gabriel “ta” chegando.

Ele entrava e, batendo a porta, alardeava bom dia a todos. Totalmente tresloucado, contudo, trazia em si, uma boa alma, não sabia o que fazer da sua “bondade”, já que fora educado por Lucrécia e Nero e, desde pequeno, “adestrado” a conter os impulsos de consciência, a emotividade diante dos percalços alheios e os arroubos de indulgência que eventualmente “sofria”.

Personalidade controversa, ele desenvolvera, engraçada por um lado, angustiante por outro. Em si, ele não poderia ser qualificado de desajustado, existia nele uma postura definida, ocultava uma alma generosa e esbanjava uma agressividade dirigida e muito, mas muito, mordaz. A verdade é que a sua criação o induzira ao alter ego de “super-herói”, quer dizer, ele não tinha mais em si a maldade, tinha o espírito aguçado e crescera em meio hostil, com isso desenvolvera um senso de justiça próprio, por um lado, se ele fosse “bonzinho” faria papel de bobo para a família, por outro, não conseguia ser “mau”, assim, adaptara-se da melhor forma que encontrou para ser “feroz” e ajudar os que o cercavam, literalmente, passou a viver o “anjo vingador”.

Exercia, com freqüência, defesas veementes da sua irmã “torta” do bor.. “casa noturna”, dava pedradas em gatos que perseguiam seus “irmãozinhos” frágeis, os ratos, mas também, batia nos cães que mordiam os gatos, dava abrigo na garagem de casa aos alcoolizados que encontrava pelo caminho e, por aí afora, figura interessante era ele..!

Vez por outra, dizia para a mãe; — “... a senhora não é ruim de forma alguma, o certo é que de vez em quando deixa sua bondade explodir na cabeça de alguém e, com tanta ventura, essas pessoas não conseguem mais se recuperar...”. Quanto ao pai, já manifestava um modo peculiar de admiração, tinha toda a certeza que este, de tanta generosidade, recebia todas as boas moças da cidade e cuidava delas, seus maridos sempre agradeciam porque buscavam com ele dinheiro emprestado a juros cômodos de, no máximo, trinta por cento, então, ninguém brigava, pois, como poderiam? se este ajudava as boas esposas e aos seus maridos a um só tempo. Em casa, por exemplo, sempre escutava com extrema paciência a “mamãe”, ela falava, falava.., e ele, só escutava, escutava.., era encantador, Lucrecia lhe transmitia “bondade” e ele a aceitava sem contestar, nunca fora diferente. Por isso ele crescera como um protetor dos menos afortunados.

Ah..! mas, a fazenda, é dela que falamos e contamos sua história. História.., o velho Dito..! De verdade, o “causo” que melhor retrata aquele lugar sempre foi ele, conhecia o chão, o ar, as raízes das plantas, aliás, ele é que tinha “raízes” naquele “chão”, o cheiro do mato até hoje tem o odor das suas axilas que suavam de sol a sol, o sabor daquela plantação tem, ainda agora, o gosto do sangue que escorria dos calos da suas mãos pelo cabo da enxada que castigava as covas e expunha pro céu a terra revirada pra respirar o vento do norte que soprava macio.

O velho Dito era uma espécie de monumento do lugar, e ninguém lembrava dele moço ou criança, qualquer conto que falasse desse período era recebido pelo ouvinte como se fora o protagonista uma figura alegórica que não tinha relação com o “véio”. “Dito” era ofensa sem perdão pra quem dele dizia.., “véio Dito”, “nho Dito”, “sô Dito”, mas, jamais “Dito”, Benedito então, ah..! isso era blasfêmia, motivo de “expulsão” da fazenda. “véio Dito”, ele e os outros seriam sempre felizes ouvindo esse nome, “V-é-i-o D-i-t-o”, é isso!!

Ele tem mais do que uma singela história, de verdade, a história da fazenda é desculpa, os homens bons e os maus, apenas vêm coadjuvar o brilho da vida desse Negro que reluzia o corpo de suor e o espírito de tanta luz. Um ou outro visitante da época que fosse preconceituoso, não conseguiam desgostar do velho negro, isso era impossível, então diziam que ele jamais fora negro, explicavam que sua alma era tão brilhante que escurecia o corpo que lhe fazia sombra!! É.., mas para falar desse velho precisamos viajar no tempo e falar de algumas outras pessoas até voltarmos a ele e, dele, até nós, hoje.
Era uma vez...

... —Eminência como podemos atender o senador Arienus, com seu pedido de escravos?
—Ora Crâmio, ofereça-lhe os negros, de que serviriam estes, senão para os trabalhos? Os que morrerem que se substitua e pronto!
—Mas, Eminência, o glorioso senador não quer negros nem para limpar o chão que pisa, tem medo de contaminação da raça!
—Bem.., nesse caso mande-lhe outros negros para limpar os negros que limparem o chão, o que espera ele que eu faça? Não temos mais escravos brancos das nações conquistadas, hoje convivemos pacificamente com os povos que produzem em favor do nosso império.
—Imploro-vos, Eminência Lúcius, que me ampare com sua marca de proteção ao dar essa notícia ao glorioso Arienus!
—Não rastejes Crâmio, ele sabe quem te protege, vás, não te atrases!

Lá foi o coitado, não fosse pelo temor a Lúcius, “seu protetor” e, coincidentemente, o sacerdote palaciano e também conselheiro particular do imperador, era certo que jamais Crâmio aceitaria essa missão, “— ... coisa pra louco, isso era certo...” pensava ele.

—Quem pensa que é o Lúcius, um deus, por acaso? Como ousou me enviar seu servo com notícias dessa natureza? Negros.., antes de tê-los entrego meu ser aos deuses, eles que me eximam desse sacrifício ou que me derramem no altar! Nunca.., nunca, nem que eu mesmo seja açoitado..! Deixe a minha presença Crâmio ou derramarei do teu sangue para aplacar os deuses, vá.., vá, e sequer olhe para traz!!

As últimas palavras, Crâmio nunca soube quais foram, pois, ao serem pronunciadas, ele já estava por volta de três ou quatro quadras distante de Arienus que continuava esbravejar com ódio nos olhos e espuma nos cantos da boca.

Arienus era assim, tudo isso e mais um pouco, passagem que serviu para um negro não era passagem para Arienus, mas.., como todas as passagens eram para servir Arienus, negros, por lá, não existiam. A simples menção de aproximação deles ao augusto era passível de provocar-lhe cólera suficiente para determinar execuções no exato lugar e momento do acidente.

— Eminência Lúcius, ainda ouço, na minha cabeça, as pragas e a invocação dos deuses para castigar-me por servir de mensageiro de tão descabida notícia. O glorioso Arienus assumiu inúmeras cores do rubro ao pálido esverdeado, afirmou que vossa eminência deseja sua morte, por isso fá-lo ouvir tais disparates.

Lúcius ria descontroladamente, observava nas feições de Crâmio o quadro que Arienus pintara. Já imaginava este de frente para o altar dos sacrifícios com quatro ou cinco lacaios despencando com o peso que arcavam de tantas oferendas vivas que derramariam o sangue para aplacar os deuses, pombas, cabras, gatos, lebres, etc... Era de arrepiar tanto prazer que sentia, só de saber o desespero do amigo. Iria esperar três ou quatro dias e lhe mandaria alguns serviçais brancos dispensados do próprio imperador, isso não seria difícil, o todo poderoso jamais questionou a cor dos seus servos, todos lhe eram inferiores, por isso, tanto fazia os que lhe serviam, brancos, negros, amarelos, pardos, loiros, eram todos mortais comuns, não teriam a vida eterna que cabia ao deus na terra quando a deixasse.

E assim, foi feito. Por muito tempo Lúcius satisfez Arienus contornando cada situação e atendendo os caprichos deste.

Ocorre que o tempo escoa e, passados alguns anos, Arienus encontrou-se resmungando que já estava cansado de falar com Lúcius sem dele obter a menor atenção, dizia que não agüentava mais reclamar por mais escravos brancos e sequer recebia o mensageiro Crâmio oferecendo-lhe os “... —abomináveis negros”, “... —isso é insuportável”, continuava dizendo.

A situação agravou-se, e muito, quando percebeu que, falando-lhe diretamente, este não lhe dirigia sequer o olhar, como se ele nem mesmo existisse.

... —reclamarei ao imperador, ele há de me atender e aplicará uma reprimenda no Lúcius, afinal, quem ele pensa que é..?

Contudo, ao fazê-lo, notou na triste face do poderoso imortal que os problemas do império deveriam ser gravíssimos, pois, este olhava através dele, como se a crise estivesse presente e ele não. Assustou-se e nem mesmo atreveu-se lhe dirigir a palavra. Saiu desolado, já que sentiu-se “invisível” aos olhos do poder encarnado.

Enquanto isso acontecia nos corredores palacianos, numa das províncias negras, mantidas com o exclusivo interesse na mão de obra escrava, encontrava-se uma mulher que havia sido estuprada por um dos homens da tribo. “Estuprada” segundo nossos atuais padrões de civilidade, pois lá, não existia outro modo de “conquistar” a mulher. Se a derrubava, se a “montava” e estava feito. Se o período era fértil esta engravidava e pronto. Assim, uma nova vida estava em formação naquela aldeia. Dentro de algumas luas “chorariam” o nascimento de um outro escravo. Esse era o costume e a cultura do lugar. Jamais os povos mais evoluídos tentaram modificar esses hábitos, ficariam sem escravos, isso nunca..!

No palácio, Arienus saiu pelo corredor praguejando que lá voltaria e mostraria a todos do que era capaz, muito tempo passaria até ele saber o quanto de verdade falara.

Não se falou mais do senador na corte, Lúcius o esquecera, Crâmio até ficou feliz por não levar-lhe novas mensagens de sua eminência, podemos dizer que “... as pedras acomodaram-se”. Sua morte, já a alguns anos, levava consigo suas memórias.

O que ninguém soube, é claro,.. não podiam ver, foi que Arienus sentiu-se desfalecer ao sair dos corredores palacianos, fora como estivesse fora do tempo, caiu em sono profundo não sabendo quem lhe amparara apenas percebeu-se “levado”.

De volta a aldeia.., nove Luas Novas depois do caso do estupro, veio ao mundo, num dia chuvoso e em uma barraca de folhas de bananeiras que mais chovia dentro que fora, um menino troncudo e forte, realmente forte, pois do contrário, teria morrido no parto ou mesmo na gravidez “estúpida” que a vida reservara à sua mãe biológica.

... —Boronum o “libertador”, estas foram as palavras finais da mulher que trazia à luz a criança antes de morrer do parto com esta no colo sujo de barro e sangue. E esse foi o nome dado ao menino escravo que chorava aos “uivos” como o lobo faminto.

Essa criança, como todas as outras, seria amamentada pelas amas-de-leite em uma espécie de “cativeiro” de criação, local que servia para mantê-las confinadas diminuindo os riscos de acidentes e, simultaneamente, alimenta-las sem maiores dificuldades. Isso, por um lado, melhorava o relacionamento dos infantes tornando-os mais dóceis quando entrassem em atividade escrava e, por outro, cresciam melhor sem sofrerem machucaduras sérias, picadas de animais e insetos peçonhentos, pois era mais fácil isolar o lugar do que vigiar as ações independentes de cada indivíduo. Essas atitudes eram cotidianas e praticadas sistematicamente, as vantagens eram evidentes; primeiro — a aldeia não era invadida violentamente e os “senhores” não produziam mortes para levar os jovens; segundo — os “donos” da aldeia escolhiam os mais fortes e promissores e deixavam para trás, sem sacrificar, os debilitados e os velhos. De fato, existia uma espécie de “pacto com o Diabo”, um “acordo” tácito e silencioso que a parte frágil da relação cumpria sem questionar uma vez que o mal menor era a “vantagem” almejada.
Aos oito anos, juntamente com muitos outros aldeões e aldeãs de idades equivalentes, Boronum fora levado. Ao adentrar as terras dos “senhores”, em poucas horas fizeram a primeira parada. O local era um campo especial de “treinamento” para os futuros trabalhadores, lá estes seriam preparados para inúmeras tarefas e profissões, eles já produziam, porém, eram orientados e castigados quando não aprendiam o ofício corretamente, quando os mestres notavam aptidões diferentes das que praticavam os “aprendizes” realocavam o “neófito” para seu melhor aproveitamento sendo cientes de que quando produziam o que gostavam ou se adaptavam, rendiam melhor aos seus futuros senhores e valiam mais ao serem negociados.
Boronum ficara na terceira parada de seleção, soube depois ser a última e a melhor equipada, lá só ficavam os “elementos” que apresentavam características marcadamente superiores aos demais. Lá seriam preparados os lacaios e serviçais palacianos. Deviam ser portadores de físico avantajado, demonstrarem muita destreza natural, um notável grau de inteligência e os senhores, nem se importavam se apresentassem algum traço de rebeldia, eles tinham absoluta segurança do controle que exerciam sobre a tropa de servidores e sabiam que os que alimentavam algum “sonho” se esmeravam nos trabalhos para não serem percebidos, mal sabiam que esse era o requisito essencial esperado pelo seu dono o “poderoso”.

Lúcius já era muito velho quando, aos quatorze anos, Boronum se lhe apresentou vindo por intermédio de Arquilim, o perspicaz selecionador de mão de obra palaciana.

De imediato, Lúcius notou que, por algum motivo, Boronum sentia-se incomodado com o próprio corpo enorme e negro, “... —Talvez seja porque está entre nós brancos e estranha essa situação...”, pensou ele, observou, contudo, um significativo brilho nos olhos arregalados do servo, “... —É medo ou ódio, quem sabe os dois?..”, concluiu novamente. Ele estava, como sempre, admiravelmente certo, essa é uma das vantagens de ficar velho, se esquecidas as desvantagens.., invariavelmente se conhece os que se aproximam, é a experiência de vida..!

— O que te traz servo?
— Ser guardião dos aposentos do sono do grande senhor e das vestimentas que protegem seu corpo.

Admirado com o linguajar de tão jovem serviçal, Lúcius, intrigado, questionou:
—De onde vieste já conhecedor das formalidades do relacionamento interno do palácio?
—Para isso eu fui criado senhor, sofri muitos castigos desde a minha aldeia para aprender falar suas falas.
—Mas, por que na sua aldeia preocupam-se com isso?
—Não preocupam-se com isso meu senhor, eu fui preparado porque tenho muitas qualificações naturais que os aldeões sabem serem elas vantajosas aos que são trazidos ao seu mundo poderoso.
—E é claro que alimentam sonhos de liberdade, não é assim?
—Isso é possível, já que é pensamento que sustenta o meu senhor.
—Por quê?
—O que vossa Eminência pensa é realidade ou será. Eu apenas devo cumprir e servir.
—És, de longe, muito mais arguto do que mostras eu, contudo, aprendo cada vez mais rápido, jamais esqueças disso.
—Sua vontade é a minha vontade sempre, meu senhor.
—Entendi-a das duas formas, saibas disso.
—Assim é que é, meu senhor.

“... —Devo ter este, absolutamente debaixo do ‘açoite’ mas.., não dispensa-lo, dará, quem sabe..? o melhor dos servidores disponíveis, já parece velho.., Arquilim, de fato, conhece o ofício”, pensou já se afastando, Lúcius.

Eu poderia escrever um outro livro inserido a este contando a história de Boronum, ele lutou a vida inteira pela liberdade que almejava para ele e para seu povo. Lúcius sempre alimentou admiração pelos verdadeiros predicados palacianos, poder-se-ia dizer “nobres” que era portador o jovem negro, nutria e nunca soube porque, uma simpatia especial pelo servo, chegava mesmo a prever certas atitudes do rapaz este, por sua vez, guardadas as necessárias cautelas, era-lhe, fiel e amigo. Por inúmeras vezes livrou o amo de “enrascadas” da corte, inclusive, assumindo culpa por atos que sequer esteve presente por ocasião. Lúcius concluiu também que sua intuição era correta quando notou o incômodo do recém-chegado com seu corpo, mas aprendeu que não era exatamente o corpo, todavia, a cor negra era o que lhe constrangia deveras, aparentemente, sentia-se culpado por se apresentar aos seus senhores “naquela cor”, parecia querer livrar-se dela. “... —mas, como..?”, pensava Lúcius. Nesses momentos lhe vinham à memória lembranças estranhas de Arienus e ele apenas sorria silenciosamente.

Não escreverei outro livro neste, mas citarei, de passagem, que muitos anos após a morte de Lúcius, vinha a morrer Boronum como líder num ataque ao forte do palácio buscando a liberdade do seu povo. É claro que o Caro Leitor já sabe que Arienus nasceu naquela aldeia e foi o “nosso Boronum”.
Poderia também, alinhar vários livros “psicografados” pelo próprio “Véio Dito (Arienus, Boronum)” que hoje seria o espírito de luz do grandioso imperador, filósofo, missionário e, por fim, o Ser que “só transmite sigilosamente” para este que vos escreve a história de cada uma das vidas vividas por ele. O “Véio Dito” que hoje está “encarnado e materializado” nesta singela ficção psicografada por “mim mesmo” (até que me provem o contrário), serviu apenas para exemplificar, como numa parábola, as possíveis ocorrências vividas por nós todos. Não pretendo vender livros explorando sonhos, expectativas, esperanças e ilusões. Somente procuro, tanto quanto o Caro Leitor, a verdade baseado na lógica e na racionalidade. Não se deve ser contra a tese espiritualista, até porque, é ingênua essa idéia, todavia, pagar por uma “ficção” apenas porque lhe dizem ser do próprio protagonista o enredo, vai além da “ingenuidade”.

Entretanto, para complementar o raciocínio iniciado, creio que vale informar ou apenas lembrar que, na nossa história, o Abder, “tio Ab”, Julinho e até a árvore frutífera, os peixes do rio, incluindo-o e ao cenário descrito, são elementos de um possível plano existencial espiritual. “Possível” não por dúvida da espiritualidade, porém, por fidelidade descritiva desse plano, pois, como já se disse infinitas vezes nos trabalhos que se vos apresentam, é-nos impossível afirmar como é a composição desse Universo uma vez que tudo que imaginamos assume os parâmetros construídos por nós em milhões de existências materiais vividas. A nossa mente é, literalmente, um palco a ser preenchido.

O que se pretendeu foi apresentar que, teoricamente, o “caquizeiro” que “morria lá” germinava aqui e vice-versa assim, sucessivamente com todas as coisas vivas. Isso é lógico e seria de se esperar, mesmo que não exatamente como se descreveu.

É importante salientar que o autor que vos fala não desmerece a psicografia em si, ela existe e é séria, ocorre que como tudo que rende “deve ser produzido em massa” para render mais, é possível que exista uma porção literária pseudopsicográfica de diminutas proporções, no máximo, uns trinta ou quarenta milhões de autores e obras, só no Brasil, “não mais que isso..!”. É certo que o exagero faz parte do humor sarcástico, mas.., não acredite em tudo que escrevem, pode exagerar, não se obrigue acreditar, inclusive, neste trabalho. Meu objetivo é convencê-lo.


















“... A psicografia, como todo trabalho mediúnico, não existe para ser explorada comercialmente. Por que? Porque o plano Inteligente não é, com certeza, um empreendimento econômico. E, quem vende obra de outro e fica com a renda, o está roubando...”.

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